segunda-feira, 17 de setembro de 2018

Coisas de Terminal

Sou o tipo de pessoa que não se importa em passar por um terminal de ônibus.
Aliás, dou é o maior valor quando um cambão desembarca e, de relance, fico
observando aquela multidão de formigas humanas caminhando desesperadas
pra tudo que é direção. De onde elas vêm? Pra onde elas vão? 
Trabalho, casa, praia, balada, hospital, vadiagem, cabaré, shopping, motel,
restaurante, barzinho, teatro, delegacia, presídio ou fórum? 
Não é a toa que 80% das ideias que já tive, até hoje, todas foram em
contato com ônibus. O transporte unânime do povão.

Então lá vão eles. Alguns se batendo, outros rindo ou cantando, outros bufando, 
outros se lamentando, praguejando, assoprando, discutindo, contando
segredos da vida ou contando moedas pra encarar o famigerado enrolado 
de salsicha com suco de cajá. Ou quem sabe um fulminante copo descartável 
com sopa de galinha requentada pela sexta vez. Que aventura.

Créditos no celular, meia carteira de cigarros, fone de ouvido, 
aspirina e bolo de cenoura. Fumantes e não fumantes.
Viciados em Wi-fi, bandoleiros, trabalhadores, mães de família, 
evangélicas e vadias. Camelôs, ambulantes, pivetes, palhaços, 
bombados e trombadinhas. Malandros, alcoólatras, policiais
paisanos, atletas e fardados mundanos. 
Água pra passar o calor ou pipoca pra enganar a fome.
Uma coisa é certa. Todo mundo saiu de um destino pra chegar em outro. 
O Terminal é apenas uma ponte.

Tem coisa mais eletrizante do que perder um ônibus olhando pra ele?
Tipo, saindo do Terminal devagarinho, devagarinho, como se falasse:
— Se deu mal, hein? Outro só daqui a meia hora, quarenta minutos ou
quem sabe de acordo com a boa vontade do dirigidor. Hein? Bom, se
eu estiver com pressa, lascou. A menos que eu use a criatividade e 
o desespero pra encontrar uma saída imediata. Tipo, pegar um genérico
que, ao menos, me leve o mais próximo do caminho aonde pretendo chegar.
Se não... Sem galho. 

Ficarei aqui de bobeira novamente. Colhendo referências e inspirações.
Detalhes e modas. Cores e insultos. Assim como quem não quer nada...
encostado numa plataforma cheia de chiclete grudado, marcas de dedo com
maionese e recados do tipo "Solange galinha, você vai pagar caro!".

De todos os terminais, o que mais frequento atualmente é o da Messejana.
Do Terminal da Parangaba sinto saudade do caldo de mocotó. 
Maravilhosamente bem preparado e temperado pelo último box sentido
Shopping - Maraponga. 
Do Terminal do Siqueira sinto Adrenalina. 
Do Antônio Bezerra? Calafrios.
Do Conj. Ceará? Solidão.

Porém, houve uma época (desde a sua inauguração até 2013)
que o - tcharãm -Terminal do Papicu fez parte da minha vida de com força! 

O Terminal do Papicu sempre foi lindo de morrer e ao mesmo tempo
trash, cavernoso, suicida, porra-loca... 
Que nem os lanches saborosos e explosivos que existem por lá.
Que nem os caixas eletrônicos suspeitos e sinistros que existem por lá.
Que nem os banheiros fantasmagóricos e fedidos que existem por lá.
Que nem a mente daquele executivo "cabeça de porco" que tá com 
carro na oficina e, por isso, se treme de medo ao enfrentar o amaldiçoado
Terminal pra poder chegar ao escritório. Como é lindo olhar pra sua cara
de bosta desconfiado e apreensivo. Como se a qualquer momento alguém
chegasse pra lhe dar uma facada. KKK

Sim... que nem as barriguinhas das ninfetinhas que vão e vêm da fila do
Caça & Pesca (rota da praia) - como se aquilo fosse uma disputa pra ver
quem perturba mais o meu juízo.
Porém, nem só de fadas vive o Terminal do Papicú.
Modéstia à parte (e por viver encrostado entre o luxo e o lixo), 
são inúmeras as raças de duendes, gnomos, ogros, bruxas, feiticeiros,
elfos e dragões que por ali passam. Seres da mitologia Celta, Germânica,
medieval e Senhor dos Anéis ao montes em plena Regional 2 de Fortaleza.
No Terminal do Papicú tem sim, senhor! 

E de noite? Nunca será a azia, o arrependimento, o cansaço e a boca seca 
de tanto arrotar cachaça pelos inferninhos da vida que mudará a minha opinião 
em dizer que o Terminal do Papicu sempre será a 8ª maravilha da cidade. \o/

Bons tempos. Neguinho voltava dos shows na Praia do Futuro 
(Planet Hemp, O Rappa, Raimundos, Charlie Brown Jr....), 
idos de 1997, 1998, e emburacava no Papicú afim de pegar 
aquele ônibus Corujão dirigido pelos anjos.
— Me leve pra casa da Mamãe, pelo Amor de Deus!!!
SQN, jovem! Pois o primeiro Corujão que aparecia sempre 
chegava junto com o sol nascendo. Gente indo pra escola, 
gente indo trabalhar, gente tirando remela dos olhos e gente
assoprando um café coado no fundo da cueca do fiscal.

Oxente! Quantos caldos de ovo com soja não inteirei, com meus amigos, 
com os derradeiros niqueis que nos sobravam?
Quantos cagaços (broncas) não levei, com meus amigos, dos guardinhas 
xaropes, metidos á gostosões das cocotas, por cochilar teimosamente
(esticado e folgado) nos bancos imundos?
Jogar porrinha com pedaços de canudo? Peidar na boca pra atiçar as 
periguetes que estavam voltando dos forrós tão mazeladas quanto a gente?
Lavar a cabeça nas torneiras escondido do zelador? Eu mesmo perdi as
contas de quantas azias tive enquanto esperava o dia amanhecer no 
Terminal do Papicu.

Uma vez, a galera tentava retornar dessa mesma Praia do Futuro 
totalmente espremida na porta do meio. Esperando a hora de desembarcar.
Peso monstro. Empurra, empurra desgraçado. Eis que, assim que a porta abre, 
cai coisa de 20 meliantes com o rabo no chão.
Detalhe: todo mundo segurando o ferro com as mãos.
Sim, um daqueles ferros que faz parte do esqueleto do ônibus "descolocou" 
por conta de tamanha desgraça humana (Prááá!!!) indo ao chão pra delírio 
das poucas testemunhas que por ali se encontravam.
De menos.

Outra vez, dezenas de policiais invadiram o Papicu às 3 da manhã
em busca de... Tcharãm! Meio litro de cana que esses mesmos meliantes
haviam colocado pra dentro! É proibido? É... Por isso tratamos de esconder
dentro da sacola de palha de uma cigana. A verdade é que ninguém
estava bebendo naquele ambiente familiar. Quer dizer, AINDA NÃO. 
Apesar da cachaça ter sido uma sobra, ou um resto de parto,ou um chorinho
de algum esquema incompleto (estávamos voltando pra casa), ela serviria pra
esquentar geral assim que uma imprevisível chuva começasse a chibatear o local.

Na hora de pegar de volta, não deu outra.
— Água que passarinho não bebe? 
Tragam um copo aqui pra tia aqui, senão eu não reparto com ninguém.
Mais. 
A velhinha ainda curtia Led Zeppelin, sacava Rage Against the Machine
e, segunda a própria, já havia pegado na mão da Janis Joplin.

Pois é. Coisas de Terminal.

Nota de autor: Essa crônica foi feita em 2012, 
mas totalmente reformulada pro BLOG.



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