quinta-feira, 20 de setembro de 2018

O GIGANTE ACORDOU!

Pois bem!  
Coitado, não conseguia mais dormir com tanta anarquia bem na frente 
do seu quarto. Barulho de bombas, sirenes e helicópteros...
Na TV havia gente cantando o Hino Nacional de trás pra frente
e em seguida o Galvão Bueno abortando enquanto pernas de pau
fingiam jogar bola.
Porra é essa, pensou!
Ele estava atordoado e fulo da vida. Azedo, trêmulo, com pressão baixa.
Sim. Ontem foi dia de promoção na birosca cult bacaninha da vez.
Então o gigante exagerou nas famigeradas Heinekens. Cerveja premier
que dizem ser feita de mijo de unicórnio com palha de bananeira. 
Foram muitos likes no InstagramSempre na companhia de fulminantes
porções de croquetes de beringela fritas em uma caçarola comprada 
em algum bazar da Turquia. Uou!

São 1 e 45 da tarde.
Primeiro o gigante tirou o pijama do Homem de Ferro, depois
bebeu Água Fresh e comeu um último Polenguinho da geladeira. 

O gigante andou cambaleando pelo corredor da casa rumou 
em direção a sacada do apê (um sonho realizado a partir de 
uma entrada na Caixa Econômica com mais 648 suaves prestações). 
Ele queria entender o que diabos acontecia lá embaixo. Bocejou,
coçou o olho, afastou uma das cadeiras de bambu e indagou:
— Peraí! Na TV diz que uma ruma de gente está depredando as repartições 
e ateando fogo nas ruas sem motivos aparente. Mas o que eu realmente
observo daqui de cima é uma passeata fervorosa onde vários cartazes 
reivindicam coisas que tornaria esse meu país uma maravilha de se morar. 

Sim! Tem uns e outros que clamam por asneiras do tipo
"Quero plano pré-pago que não foda com o meu bolso" ou 
"O país só vai pra frente se o Faustão calar a boca". 

O gigante ficou confuso. Sim, ele tentou ouvir Arnaldo Jabor, Pelé, Romário, 
Alexandre frota, Anitta, Danilo Gentilli, Tico Santa Cruz, William Bonner 
e os economistas da Globo, mas acabou se ariando mais ainda! 
Nem Silvio Santos foi capaz de esclarecer tamanha situação.

O gigante se atolou de memes até o pescoço. Suou feito GIF e
se desesperou como um FAKE NEWS. Foda. Uma situação tensa 
como essa só quando o gelo do bar do Festival Garota VIP acabou 
antes mesmo do Safadão subir no palco. É guerra!

Pra tentar tirar conclusões mais precipitadas, resta pro gigante 
apenas esperar pelos melhores lances no Youtube.
Logo após Marina Ruy Barbosa fazer seu cosplay de sereia 
pra roubar um carro.
Até lá, o gigante vai continuar atordoado, empachado e esgotado.

Então, ele resolveu dormir de novo!

Nota do editor: Essa crônica feita em 2013,
mas totalmente reformulada pro blog.



segunda-feira, 17 de setembro de 2018

Coisas de Terminal

Sou o tipo de pessoa que não se importa em passar por um terminal de ônibus.
Aliás, dou é o maior valor quando um cambão desembarca e, de relance, fico
observando aquela multidão de formigas humanas caminhando desesperadas
pra tudo que é direção. De onde elas vêm? Pra onde elas vão? 
Trabalho, casa, praia, balada, hospital, vadiagem, cabaré, shopping, motel,
restaurante, barzinho, teatro, delegacia, presídio ou fórum? 
Não é a toa que 80% das ideias que já tive, até hoje, todas foram em
contato com ônibus. O transporte unânime do povão.

Então lá vão eles. Alguns se batendo, outros rindo ou cantando, outros bufando, 
outros se lamentando, praguejando, assoprando, discutindo, contando
segredos da vida ou contando moedas pra encarar o famigerado enrolado 
de salsicha com suco de cajá. Ou quem sabe um fulminante copo descartável 
com sopa de galinha requentada pela sexta vez. Que aventura.

Créditos no celular, meia carteira de cigarros, fone de ouvido, 
aspirina e bolo de cenoura. Fumantes e não fumantes.
Viciados em Wi-fi, bandoleiros, trabalhadores, mães de família, 
evangélicas e vadias. Camelôs, ambulantes, pivetes, palhaços, 
bombados e trombadinhas. Malandros, alcoólatras, policiais
paisanos, atletas e fardados mundanos. 
Água pra passar o calor ou pipoca pra enganar a fome.
Uma coisa é certa. Todo mundo saiu de um destino pra chegar em outro. 
O Terminal é apenas uma ponte.

Tem coisa mais eletrizante do que perder um ônibus olhando pra ele?
Tipo, saindo do Terminal devagarinho, devagarinho, como se falasse:
— Se deu mal, hein? Outro só daqui a meia hora, quarenta minutos ou
quem sabe de acordo com a boa vontade do dirigidor. Hein? Bom, se
eu estiver com pressa, lascou. A menos que eu use a criatividade e 
o desespero pra encontrar uma saída imediata. Tipo, pegar um genérico
que, ao menos, me leve o mais próximo do caminho aonde pretendo chegar.
Se não... Sem galho. 

Ficarei aqui de bobeira novamente. Colhendo referências e inspirações.
Detalhes e modas. Cores e insultos. Assim como quem não quer nada...
encostado numa plataforma cheia de chiclete grudado, marcas de dedo com
maionese e recados do tipo "Solange galinha, você vai pagar caro!".

De todos os terminais, o que mais frequento atualmente é o da Messejana.
Do Terminal da Parangaba sinto saudade do caldo de mocotó. 
Maravilhosamente bem preparado e temperado pelo último box sentido
Shopping - Maraponga. 
Do Terminal do Siqueira sinto Adrenalina. 
Do Antônio Bezerra? Calafrios.
Do Conj. Ceará? Solidão.

Porém, houve uma época (desde a sua inauguração até 2013)
que o - tcharãm -Terminal do Papicu fez parte da minha vida de com força! 

O Terminal do Papicu sempre foi lindo de morrer e ao mesmo tempo
trash, cavernoso, suicida, porra-loca... 
Que nem os lanches saborosos e explosivos que existem por lá.
Que nem os caixas eletrônicos suspeitos e sinistros que existem por lá.
Que nem os banheiros fantasmagóricos e fedidos que existem por lá.
Que nem a mente daquele executivo "cabeça de porco" que tá com 
carro na oficina e, por isso, se treme de medo ao enfrentar o amaldiçoado
Terminal pra poder chegar ao escritório. Como é lindo olhar pra sua cara
de bosta desconfiado e apreensivo. Como se a qualquer momento alguém
chegasse pra lhe dar uma facada. KKK

Sim... que nem as barriguinhas das ninfetinhas que vão e vêm da fila do
Caça & Pesca (rota da praia) - como se aquilo fosse uma disputa pra ver
quem perturba mais o meu juízo.
Porém, nem só de fadas vive o Terminal do Papicú.
Modéstia à parte (e por viver encrostado entre o luxo e o lixo), 
são inúmeras as raças de duendes, gnomos, ogros, bruxas, feiticeiros,
elfos e dragões que por ali passam. Seres da mitologia Celta, Germânica,
medieval e Senhor dos Anéis ao montes em plena Regional 2 de Fortaleza.
No Terminal do Papicú tem sim, senhor! 

E de noite? Nunca será a azia, o arrependimento, o cansaço e a boca seca 
de tanto arrotar cachaça pelos inferninhos da vida que mudará a minha opinião 
em dizer que o Terminal do Papicu sempre será a 8ª maravilha da cidade. \o/

Bons tempos. Neguinho voltava dos shows na Praia do Futuro 
(Planet Hemp, O Rappa, Raimundos, Charlie Brown Jr....), 
idos de 1997, 1998, e emburacava no Papicú afim de pegar 
aquele ônibus Corujão dirigido pelos anjos.
— Me leve pra casa da Mamãe, pelo Amor de Deus!!!
SQN, jovem! Pois o primeiro Corujão que aparecia sempre 
chegava junto com o sol nascendo. Gente indo pra escola, 
gente indo trabalhar, gente tirando remela dos olhos e gente
assoprando um café coado no fundo da cueca do fiscal.

Oxente! Quantos caldos de ovo com soja não inteirei, com meus amigos, 
com os derradeiros niqueis que nos sobravam?
Quantos cagaços (broncas) não levei, com meus amigos, dos guardinhas 
xaropes, metidos á gostosões das cocotas, por cochilar teimosamente
(esticado e folgado) nos bancos imundos?
Jogar porrinha com pedaços de canudo? Peidar na boca pra atiçar as 
periguetes que estavam voltando dos forrós tão mazeladas quanto a gente?
Lavar a cabeça nas torneiras escondido do zelador? Eu mesmo perdi as
contas de quantas azias tive enquanto esperava o dia amanhecer no 
Terminal do Papicu.

Uma vez, a galera tentava retornar dessa mesma Praia do Futuro 
totalmente espremida na porta do meio. Esperando a hora de desembarcar.
Peso monstro. Empurra, empurra desgraçado. Eis que, assim que a porta abre, 
cai coisa de 20 meliantes com o rabo no chão.
Detalhe: todo mundo segurando o ferro com as mãos.
Sim, um daqueles ferros que faz parte do esqueleto do ônibus "descolocou" 
por conta de tamanha desgraça humana (Prááá!!!) indo ao chão pra delírio 
das poucas testemunhas que por ali se encontravam.
De menos.

Outra vez, dezenas de policiais invadiram o Papicu às 3 da manhã
em busca de... Tcharãm! Meio litro de cana que esses mesmos meliantes
haviam colocado pra dentro! É proibido? É... Por isso tratamos de esconder
dentro da sacola de palha de uma cigana. A verdade é que ninguém
estava bebendo naquele ambiente familiar. Quer dizer, AINDA NÃO. 
Apesar da cachaça ter sido uma sobra, ou um resto de parto,ou um chorinho
de algum esquema incompleto (estávamos voltando pra casa), ela serviria pra
esquentar geral assim que uma imprevisível chuva começasse a chibatear o local.

Na hora de pegar de volta, não deu outra.
— Água que passarinho não bebe? 
Tragam um copo aqui pra tia aqui, senão eu não reparto com ninguém.
Mais. 
A velhinha ainda curtia Led Zeppelin, sacava Rage Against the Machine
e, segunda a própria, já havia pegado na mão da Janis Joplin.

Pois é. Coisas de Terminal.

Nota de autor: Essa crônica foi feita em 2012, 
mas totalmente reformulada pro BLOG.



segunda-feira, 10 de setembro de 2018

O revoar das Andorinhas.

Adolescência.
A única e exclusiva vez em todo o ciclo da existência humana 
em que milhares de coisas explodem com um único intuito. 
Pelas conexões cerebrais. Os nervos. Os instintos e a pobre alma.

Extravagante e desengonçada fase da vida. Pra definir. Moldar. 
Concretizar. Desse momento adiante. No que seremos para sempre?
Quando o corpo dá o play e o rumo se inicia. 
Mas pra onde?

Linha entre o delicado e o assustador?
Fronteira entre o desejo e a fúria?
Recanto de sonhos e de liberdade?

Ser adolescente é criar asas, é ter escamas, é adquirir couraça, 
é adotar rabo com seta (ou sem seta), é inflar-se de espinhos
nas costas e ferrões na cabeça.
Ser adolescente é se colorir de penas por cima de uma pele de morcego.

É ser tiranossauro com búfalo; com macaco prego; com escorpião; 
com tubarão branco; com camaleão e com peixe-espada.
É abusar do veneno sem controle.
Tóxico. Espumoso. Corrosivo e genioso.
É cuspir. Destroçar. Desperdiçar o domínio sobre o fator de cura
que nem o próprio indivíduo conhece.
É tentar manipular uma visão noturna quando nem mesmo
o juízo completou direito a sua biologia no corpo.

É adoecer com as coisas mais bestas do mundo, mesmo
tendo um estômago de ferro e as tripas de aço. 
É ter simples vontade de não fazer nada. Todo dia, toda hora. 
Quando der na telha. 

É dá graças a Deus existir controle remoto só pra não 
se despregar do sofá. E chuva de madrugada só para 
poder perder aula de manhã.
— Viva a natureza. \O/
— Vamos aceitar a preguiça mesmo quando se tem
uma disposição de fazer inveja a crocodilos e leões africanos.

Vamos jantar pastel invés de arroz com feijão. Vamos comer manga
dois minutos antes de servirem o almoço. E ter uma incrível amizade
com refrigerante desde as primeiras horas do dia. 
Vamos inventar de comer macarrão com couro e caldo de galinha dentro
do pão ou fazer barulho com o restinho do Nescau por pura pirraça!

Ser adolescente é conhecer pela primeira vez Nirvana, Bob Marley
e Bezerra da Silva. É achar os caras formidáveis em tudo. 
Que nem Fat Boys, Ramones, Kelly Slater e Leonardo Messi.

Ou melhor. Que nem assistir Pulp Fiction ou Game of Thrones
pela primeira vez.

É correr, nadar, suar, suar de novo e descobrir (iga!) cheiros 
que você jurava nunca existir. Sim. Também cheiramos
Mas importante ainda é entender o valor de cada tipo de aroma e 
tentar conviver com eles (ou não!). Seja no ambiente, na rua, 
nos coletivos, nas festas, na sala de sua casa ou nas gatinhas... 
Ah, gatinhas.
Ser adolescente é atravessar tempestades de areia por elas.
É enfrentar o fogo. Não dá a mínima para o frio. Esnobar o vento.
Driblar ruas de ratazanas famintas e peitar um urso diabólico
chamado de sogro.
Ser adolescente é rodar o mundo inteiro em um só dia e ainda 
completar a noite com gargalhadas e canalhices. Vaias e piadas infames.
Cutucadas e palavrões.

Adolescente é Viver de esquemas, de olhares, de medos e de anarquias.
De foras e de entradas. Das presepadas no trânsito em meio à loucura 
e ao caos. É pisar na areia da praia e falar "eu que sou o dono da porra toda!"

De dizer “Foi eu não, mãe!” .
Seja por amor ou por ironia.
Seja pelo rancor ou pelo perdão.

Adolescente, enfim, é ter capacidade pra pegar 4 chips, mas não usar nenhum. 
É ter bluetooth mas viver com ele desligado. É conectar-se somente com o que nos importa e go5t4r de 3scr3v3r 3rr4do só pra implicar com o mundo e com outros adolescentes.
É Bodejar. Arrotar. Gritar. Olhar de rabo de olho e viver um pouco como 
Bart Simpson, Wolverine, Predador, Mortal Kombat. Kurtis Mantronix,
Bruce Dickinson, Vin Diesel, God of War, Vírgulino Lampião, Emiliano Zapata, 
Anderson Silva, Tiririca, João Gordo, Cloverfield. Super 8. Optimus Prime, Luke Skywalker e Kin Kong.
Toda Hora.
24 horas por minuto.

Estudar?
Hummmm Complica. Afinal de contas, nas questões das provas ninguém 
pergunta sobre as Panicats. Nem sobre X-Games ou Copa dos Campeões 
da Europa. Nem Slipknot ou Beastie Boys. Nem Playstation 3 ou CQC. 
E muito menos que vídeo é o mais compartilhado do Facebook.

Adrenalina de sobra, bateria entupida de abuso.
Embora eu prefira garantir cadeira cativa nos shoppings da vida.
Livre, leve e solto.
Também pode ser nos desertos, pântanos, selvas, neves e abismos.
Buracos infinitos e galáxias colossais. Estátuas gigantes. 
Templos irritantes. Paraísos perdidos e quartos bagunçados. 
Destruídos. Consumidos. Banidos da ordem e sem um pingo de lei.

Adolescente é excluir pais até o momento em que o bolso aperta.
Já que basta apenas ter Hambúrgueres, tênis maneiro, relógio,
moda, cinema e chiclete pra cuspir do alto da escada rolante 
que tudo está maravilhoso.
Meio equilíbrio entre o “já ser grande” e “você não tem como trabalhar ainda”.
Linha entre o “Ainda é arriscado” e o “Você devia ter vergonha disso”.

Se adolescente também é desprezar Irmãos e irmãs, 
primos e tias, madrinhas, vizinhos e professores. Isto é.
Pelo menos até o Natal chegar com toda a sua magia envolvida
numa farofa de passas e um assado monstruoso. 

Doces. Luzes. Gorduras e torresmos.
Afinal. Quem precisa de tanto conselho quando temos a certeza 
de que já sabemos de tudo?

Mas resumindo realmente mesmo. O que NÃO sabemos ainda... Rá!
Nem nos faz falta!!!!
Não é, Luiz Henrique?

Nota do autor: Essa crônica foi feita em 2014 
quando Luiz Henrique, o filho do Guabiras, completou 15 anos.




quarta-feira, 5 de setembro de 2018

Minha memória fotográfica - Parte 1

Eu tinha uma tia que morava no outro quarteirão. Mesma rua. 
Mais um pouco distante, sentido Messejana – Iguatemi. 
O Shopping já existia, lógico. 
Estou falando de 1993, mais ou menos...

Nessa época, era costume a solidária confraternização entre os vizinhos. 
Humildade gerada pelo espírito sertanejo acolhedor.
Então, vez e outra, um menino de recado que nem sonhava em ser 
cartunista costumava aparecer nas portas alheias pedindo alguma 
coisa de última hora. Na minha família, esse papel oficialmente foi 
meu durante toda a infância. 
Uma cabeça de alho, dois dedos de óleo, uma xícara de farinha de trigo 
ou colorau. Várias vezes, tão logo minha mãe passava o veredicto,
eu amarrava uma fralda no pescoço (do meu irmão mais novo) e literalmente 
saia voando como Christofer Reeve e sua eterna adaptação para o Superman.
Era massa.
Completamente cheio de mato, o fundo do quintal da minha casa 
se tornava um verdadeiro ninho de coisas e surpresas
Por três quartos de um quarteirão, entre galhos retorcidos de cajueiros
e emaranhados de ramos de cabaças, eu ainda fui Tarzan, Chefe dos 
Caça–Fantasmas, Indiana Jones, Inimigo Meu, Rambo e Simbad. 
Um navegador com bem mais respaldo e escrúpulo do que Jack Sparrow
e que eletrizava minhas Sessões da Tarde ao lado de todas essas aventuras.

 Mais tarde, quando esse mesmo irmão cresceu um pouco mais, fizemos
tantas presepadas juntos que, até hoje, com um pinguinho a mais de juízo, 
desacredito que fui capaz de cometê-las. 
Como na vez em que fizemos uma cabana de palha seca de coqueiro,
tocamos fogo e, ao invés de correr das labaredas, continuamos debaixo
delas, dando gargalhadas até o último minuto de desabamento.
Ou das diversas vezes em que subimos no olho do pé de azeitona
para ficar chutando um ao outro até que o perdedor se estabacasse no chão. 
Como Deus protege mesmo as crianças e os doidos desse mundo, 
jamais nenhum de nós caiu. Não me pergunte por quê.

Mas nem só de arte vivíamos naquele mundão. Quando fecho os olhos,
é incrível como relembro primeiramente do quanto aquilo era muito grande. 
Saia de casa com a cabeça baixa catando murici e, quando dava fé, 
já estava a quilômetros de distância da cozinha da minha mãe. 
Às vezes explorando cavernas imaginárias, pesquisando crateras marcianas 
ou medindo pegadas de dinossauros. Puta imaginação de quem tinha
à sua disposição um gigantesco brinquedo científico nas mãos. 
Ou debaixo dos pés.

Mais alguns territórios eram realmente perigosos. Ah, se eram.

Naquela área onde atualmente se encontra o Shopping Via Sul tinha
um pé de jenipapo enorme, propriedade de uma cobra de veado de num
sei quantos mil metros. Meu tio havia visto. Meu primo havia visto. 
Num sei quem escapou fedendo e a lenda em torno daquela aberração 
da natureza espantava quem tinha amor a sua vida. Literalmente...

Quantas vezes não atravessei a fininha Washington Soares para seguir
pela atual Brasil Soares até chegar no Bar do Zé do Mangue?
 Nem tinha nome ainda aquela rua. Ops! Avenida.
 E tudo só para chegar na beira da lama gelada e escavacar o maior
dos caranguejos. Alegre e satisfeito. Eufórico e realizado. 

E quantas vezes não comi maria maluca, filhós de açúcar, tijolinho de leite, 
pastelzinho de saco e guaraná Brahma, quando aquele granfino
restaurante da nova elite fortalezense ainda era um boteco de janelinha?
Quantas vezes comemorei ao ver meu primo Cláudio acertar de espingarda
as galinhas d’água que se banhavam no lago onde agora funciona a Tok & Stok?
Rir vendo minha mãe praguejar com as teimosas castanhas que pulavam 
da assadeira como se quisessem dizer: “Eu, hein. Tô fora!”.

Jogar pedras na manga madura junto com 10, 15 meninos onde 
o desespero de quem iria ficar com a bendita só deixava a situação 
mais tensa e canalha? Torrar peixe mussum ou cará pescado por eu mesmo 
e comer com farinha? Pegar libélula pelo rabo? Na verdade um agoniado
 teste de reflexo e coordenação motora? Sair pra catar caju de manhã
e só voltar no final da tarde? E ainda mais com muitas outras frutas 
na bagagem. Da ata gigantesca ao desgraçado tamarindo. Além de um 
cacho de alopradas seriguelas. Enxadas e brilhantes de tão vermelhas,
cujo endereço já era mais do que certo. O colo da minha avó.

E até quando os maribondos atacavam a gente, ao invadirmos seu 
território atrás de pau pra fazer galinheiro, havia uma satisfação por trás d
e tantos calombos. 

Ter tido contato com a natureza nos meus primeiros anos de vida
continua satisfazendo o meu ego. Não só porque sou ser humano 
e envelheço. Mas também porque foi mesmo a época da magia.
Das identificações e referências ecológicas. Do desbravamento movido
pela curiosidade. Cicatrizes que até hoje me dão orgulho. 

Talvez por isso quando ganho qualquer oportunidade na agenda, 
dois minutinhos em meio a um ano de conturbações desenfreadas, 
contrastes, compromissos e progressos, vou e solto os meus filhos 
nas dunas do Iguape. Tudo para que futuramente eles também sejam 
conscientes e amorosos como consegui ser. Conscientes de que cada 
minuto de aventura saudável é pra ser aproveitado com o máxima de 
satisfação possível. E amoroso porque são nas coisas simples da vida
que estão as nossas maiores lembranças. 
Para sempre.

Nota do autor: Essa crônica foi escrita em 2012.

Rir (ainda) é o melhor remédio!

Não! Eu não tenho plano de saúdeNão que seja por conta 
do meu desleixo. Nem porque sai caro garantir o custo de vida.
NEM porque eu sou tal e qual o Wolverine. Cabra imune a qualquer 
desgraça por conta de seu fator de cura mutante. Não! 
A resposta simples e pura é que encarar um bom e velho posto comunitário
continua até hoje na lista das maiores e melhores coisas nesse mundo 
que me causam desopilação, nostalgia e satisfação com o ego. 

Sim, prefiro mil vezes o chafurdo de um posto de saúde do que o zelo e 
a organização de qualquer rede de qualquer plano de saúde. Hospitais
particulares são muito chatos. Fico incomodado com aquele silêncio todo
e fico mais incomodado ainda com cada atendente que aparece na minha 
frente totalmente fria e robótica.

Interiorano até a alma, eu confesso que nas muitas vezes em que me lasquei, 
a ponto de ter que ir costurar a cabeça no Hospital Frotinha do Centro, eu fui 
alegre e satisfeito. Adorava observar o movimento daquele “antro do terror”, 
muito antes do Juraci Magalhães esticar o prédio, com velhinhas reclamando, 
enfermeiras maliciosas e crianças gasguitas. Tudo ao ritmo de uma catinga 
infernal que misturava vômito, sangue, cascas de feridas e éter.

Anos 1980. De lá pra cá, aprendi a lidar com tal situação quase que
ironicamente, sempre que pude testemunhar resmungos e aflições, histeria 
e cenas pra lá de absurdas. É por isso que atualmente encarar um posto 
de saúde, para mim, é sinal de descontração tremenda e não 
de estresse neurótico.

Segunda-feira passada estive no de costume, que fica no bairro Jardim
das Oliveiras. Por conta de toda a tonelada de tutano e catupiry que já 
consumi na vida, fui para medir a pressão e ser receitado com algum 
medicamento bárbaro. E realmente não deu outra. Jamais você veria em 
um hospital particular duas velhinhas encantadoras conversando sobre 
as mazelas do mundo de uma maneira totalmente injuriada, ao mesmo
tempo cômica, tranquila e muito sossegada. Sábios frutos da conservadora
compaixão humana:

— No meu tempo mulher não arrebitava a saia no meio dos quartos 
pra mostrar a banda da bunda pros homens. Hoje é esse fogo desgraçado. 
Esse tal de “Ah, se te pego, Ah, se te pego”. Tenho é nojooooo...
Cuspida no chão que mais parecia uma bala do revólver do Charles Bronson.
— Essa esculhambação na televisão toda hora do dia... 
— Nããããmmm... É o fim dos tempos mesmo. 

Depois cada uma voltou a fazer o que estava fazendo. 
Ou seja, tricô e palavras cruzadas. Tinha mais. 
Tinha a tradicional senhora que sempre sai de casa com a panela no fogo
e acha que quando voltar vai encontrar o quarteirão em chamas. 
Tinha a tradicional dondoca que acha que pode furar a fila com 
a desculpa mais fajuta da história da medicina:
— Não posso chegar tarde ao trabalho!

Tinha a buchudinha que ainda não havia escolhido o nome do bebê, 
mas fazia questão de dizer que ia ter dois “Y” e tinha (lógico!) aquela
tradicional criança que pega nada menos do que quatro chips e 
um pendrive de 200 gigas. Ela Rola no chão, ela tira a blusa, ela assopra,
bate a cabeça na parede e grita pelos corredores que nem um dragão
de desenho animado. 
Ainda mais se for ninguém menos do que o filho da Priscila. 
Uma antiga parceira-loirinha-fiota-marrenta-piriguete dos áureos tempos 
do Pagode Mais ou Menos.
— Havia Guabiras! "Mim" ajuda a controlar esse menino, pelo amor de Deus.
—Bora, menino! Tem sossego, senão eu vou chamar o médico pra taca
um "sossega leão" no teu rabo!
Resposta:
— Iuuuuuuuuuuuu... nem médico aqui tem! O velhinho ali nesse instante
disse que o médico é um ‘senvergonha’ porque nem tinha chegado ainda.

KKK. Verdade. Não é só porque posto de saúde tem o mais
perfeito histórico de serviço sucateado que o povo humilde será besta.
Necas. É ai que muita gente se engana. Na maioria das vezes
confesso que é chato presenciar absurdos, mas o melhor ainda 
é presenciar a força de vontade que esse mesmo povo tem para viver. 

Esse povo guerreiro por natureza, que acorda antes do galo, que enfrenta 
milhares de problemas e mesmo assim vive alegre e satisfeito pelas poucas
migalhas miseráveis que o governo oferece.
Na alegria e na dor, na verdade mesmo, o meu apego pelos postos de saúde
depende mesmo é desse povo.

Nota do autor: Essa crônica é de 2012. Época em que os papeis ainda
não haviam se invertido. Ou seja, hospitais particulares atualmente estão
tão bagunçados, lotados e apavorantes quanto qualquer posto de saúde.

BICHOS DA NOITE!

Dizem que NOVA YORK é uma cidade que não dorme.  PUFF! (peidando na boca!) --- não vou nem tão longe, meu caro! Já estive em São Paulo e, po...