quarta-feira, 7 de novembro de 2018

Manga, goiaba e caju

As vezes me pego pensando no quanto perdi o tesão em comer 
manga, goiaba e caju. Tesão, vontade, desejo, ansia... 
chame do que quiser. O fato é que nasci e me criei em um bairro
da periferia que mais parecia um pedaço do interior cearense.

Por pouco não fui vizinho da casa José de Alencar.
Ali próximo da Oliveira Paiva. Avenida que lembro bem
era representada apenas por um fio de asfalto com cara de calçamento. 
Pois bem, entre os anos de 1986 e 1998, precisamente, comi tanta manga, 
goiaba e caju que enjoei. Meu bairro? O Parque Manibura. 
Naquela época uma espécie de sítio gigantesco com vários quintais dentro. 
Mistura exorbitante de caatinga nordestina com os últimos vestígios da
mata atlântica. Pra se ter uma ideia, eu abria a porta da cozinha da minha 
casa e dava de cara com uma floresta. Nada de brenhas simples ou terreno 
com matas locais... Tô falando de floresta, floresta mesmo! Com copas de 
árvores tampando o céu, galhos alinhados com cipós de todas
as grossuras e muitas plantas exóticas. Animais? 
Diariamente eu via morcegos, aranhas, periquitos, borboletas, centopeias,
lacraias, soins, macacos (sim, macacos!) cobras, pássaros (de todas as cores), 
preás (de todos os tamanhos), caracóis, iguanas, lagartos, coelhos (sim, coelhos!),
besouros, gafanhotos, corujas, raposas, gatos do mato, gambás e diversas lagartas.
Todas coloridas e bem peludas. 
No meio disso tudo, as famigeradas árvores frutíferas.

Além de manga, goiaba e caju, havia murici, cajá, cajarana, sirigüela, 
azeitona preta (jamelão!), maracujá do mato, banana, abacate, melancia,
melão, tangerina, pitomba, jenipapo, limão do mato, tomate, pitanga, romã,
ata, coco, coco babão, puçá, fruta de pau-pombo, mamão, melão do caetano,
tamarindo e graviola... Ufa! Porém, de todas elas, manga, goiaba e caju 
foram as que mais comi. Comi tanto, meu amigo, que atualmente acho 
inadmissível (e irônico) entrar em um supermercado pra comprar qualquer
uma das três.
Ainda mais quando esses Pão de Açúcar da vida têm apenas 2 ou 3 tipos
de manga pra oferecer. Obrigado! Nos meus 13, 14 anos eu tinha à minha 
disposição (e de graça) todos os tipos deste mundo: Rosa, jasmim,
itamaracá, manguita, espada, azeda, roxa, coité, pingo de ouro, caroçuda,
BRANCA... caralho, a manga branca era branca mesmo! Nada de carne
vermelha ou amarelo ouro. E era uma delícia.

Foram muitas as emoções que senti ao acertar uma pedra (ou chinela)
naquela manga que parecia ter amadurecido exclusivamente pra mim. 
Primeiro eu a avistava "divez". Ali paradinha em um galho. Só eu sabia
e mais ninguém. Dois dias depois, tcharãm, eu ia lá e, PUM, já era. 
A mesma coisa pra goiaba. Muitas das vezes, disputei com a molecada
quem acertava um cacho precioso há 5, 6 metros de altura. Era uma
farra só e, no final das contas, o felizardo sempre acabava dividindo 
geral com a galera. Quente, fria, com bicho ou sem bicho. Goiaba boa
era aquela dos terrenos alheios e ponto final.

E independente de qualquer pé dessas frutas, eu costumava subir 
numa facilidade incrível e mais incrível era o meu medo por altura que 
não existia. Adorava subir até o mais alto galho de uma mangueira só 
pra ficar horas e horas apreciando, há quilômetros de distância, 
as virgens dunas do Beach Park. Subia e descia que nem um calango, 
pois eu não era essa lagartixa barriguda de agora. Huahuhuauha... 

Aliás, o que perdi em questão de bravura, ganhei em quesito imunidade. 
Já que atualmente dificilmente adoeço e quando adoeço saro logo. 
Tudo porque passei a infância/adolescência com 80% do meu sangue 
composto por um coquetel de frutas naturais. Tiro, porrada e bomba.

Foram muitas as vezes em que troquei um prato de comida por
2 quilos de carne de manga. A mesma coisa pra goiaba e caju. 
Caju, perdi foi as contas de quantos comi direto do pé, sem quebrar
o talo nem pegar com as mãos. Mais uma das muitas brincadeiras de moleque.
Assim como  aguentar comer a manga mais quente do sol, plena 1 hora da tarde, 
ou comer quantas manguitas (mangas do tamanho de uma laranja) fossem possíveis.
Cada aposta saudável.. tsi, tsi...

Manga de manhã, manga no almoço, manga de tarde, manga de noite. 
Manga com farinha, com sal, com leite ou açúcar... 
Com o passar dos anos, e como todo maldito progresso que se preze, 
as árvores do Parque Manibura foram sumindo uma por uma pra dar 
lugar à escolas, condomínios e casas de 1 milhão de reais. 
O que antes era conhecido como lotes e lotes de área verde, agora
é vendido por metro quadrado. Um dos mais caro de Fortaleza.
Triste. Duas coisas vão embora depois que a gente fica velho. Nossa 
coragem pra encarar alturas e as árvores de nossa infância.

Enfim, resolvi tocar nesses assuntos porque dia desses estava no
centro da cidade prestes a almoçar em um desses restaurantes em
que um copo de suco vem de brinde com o prato. De repente,
a garçonete encosta em minha mesa e  pergunta:
— O senhor vai querer suco de quê? Temos Manga, goiaba e caju!
—  O quê? Voltei imediatamente no tempo!!!
O que é melhor, senti naquele instante um misto de saudade, nostalgia,
solidão, lembranças, euforia e satisfação... 
E o tal tesão de longas datas, as melhores que já tive, voltou! 

Quer saber? Traga um copo de manga pra eu almoçar e, por fora,
um copo de goiaba e outro de caju.
— Eita! Ela respondeu... e antes de entrar sorrindo pra cozinha completou:
 — Pra quê tudo isso?
Respondi: 
— É que hoje eu tô com vontade de relembrar o mundo!

DETALHE: Não troco refrigerante por nada! Bebo quase todo dia 
e tenho prazer imenso por isso. Tudo porque vivi em uma era
totalmente ecológica, onde mães e tias farriam jarras de suco ao
invés de gastar dezenas de cruzeiros em vários "refrescos do capeta". 
Bom, na verdade, em 1989 refrigerante era coisa chique... Não
era um item básico numa cesta básica de pobre. Eu mesmo,
só passei a ter o privilégio de tomar refrigerante comprado com
meu dinheiro aos 16, 17 anos de idade...

Mas daí, é outra história. ;)

Sem comentários:

Enviar um comentário

BICHOS DA NOITE!

Dizem que NOVA YORK é uma cidade que não dorme.  PUFF! (peidando na boca!) --- não vou nem tão longe, meu caro! Já estive em São Paulo e, po...